
Contexto Histórico do Setor do Calçado
Os primeiros registos de produção de calçado em Portugal recuam ao período medieval, quando os sapateiros fabricavam calçado para a população local. Mais tarde, já no século XIX a indústria do calçado teve a necessidade de se desenvolver de forma mais significativa, surgindo nesse período pequenas oficinas artesanais, que produziam calçado a mão, destacando-se desde então pela sua qualidade e atenção ao detalhe, tornando-se uma referência não só a nível nacional, mas também internacional.
Com o avanço da industrialização no século XX, veio o aparecimento de novas tecnologias de fabrico e das primeiras máquinas de produção de calçado que revolucionaram o setor por completo, proporcionando uma maior capacidade de produção e eficiência. Todas estas mudanças, levaram a que a indústria do calçado se tivesse de adaptar e reinventar.
Inicialmente Portugal era conhecido por ter mão de obra barata e destacava-se como produtora de produtos low-cost, porém com o aparecimento da concorrência dos países asiáticos e com os seus custos de mão de obra muito reduzidos, Portugal já não conseguia competir com a concorrência, daí ser necessário mudar o seu posicionamento como produtor de calçado low-cost, para uma nova aposta num posicionamento de calçado diferenciado e de alta qualidade que se mantém até aos dias de hoje.
Importância do Setor do Calçado na Balança Comercial
Em 2022, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) a balança comercial portuguesa apresentou um défice de 30,8 mil milhões de euros, um aumento significativo comparativamente ao ano transato, onde o défice da balança comercial se situava nos 11 256 milhões de euros.
Este aumento no défice comercial, é resultado de um aumento nas importações de 31,2% e um aumento das exportações de 23,1% face a 2021, como podemos observar através dos seguintes gráficos: (Fonte: Pordata)


Contudo, o setor do calçado contrariou a tendência nacional e contribuiu com 1.306 milhões de euros para esbater o défice da balança comercial.
Em Portugal produziu-se em 2022, cerca de 85 milhões de pares de calçado, dos quais 76 milhões de pares foram exportados, o que corresponde a exportações no valor de 2,009 milhões de euros (marco histórico alcançado, pois é a primeira vez que Portugal ultrapassa a barreira dos 2 000 milhões de euros em exportações neste setor). Comparativamente a 2021 estes resultados significam um aumento de 10,5% da quantidade vendida e 20,2% em valor de vendas.
Em 2022, o preço médio do calçado exportado situou-se nos 26,40€, o que representa um crescimento de 8,7% face a 2021, com as exportações de calçado portuguesas a serem maioritariamente de calçado em couro com uma quota de 86% das exportações.
Dos países mais relevantes nas exportações de calçado português, segundo a APICCAPS, destacam-se a Alemanha com 433 milhões de euros (um crescimento de 11,7%), a França com 384 milhões de euros (mais 15% comparativamente a 2021) e os Países Baixos com exportações na ordem dos 306 milhões de euros (mais 25% do que em 2021).
Por outro lado, os EUA são o país que mais crescimento teve nas suas exportações de calçado de 2021 para 2022, com um aumento de 52%, totalizando assim exportações de calçado de 114 milhões de euros e solidificando o seu peso na quota de exportações do setor.
Análise ao Tecido Empresarial do Setor do Calçado em Portugal
Desde as primeiras fábricas de produção de calçado em Portugal que a maioria do tecido empresarial do setor (95,29%) a situar-se na zona Norte do país, ao redor da cidade do Porto, mais concretamente nos concelhos de Felgueiras, Guimarães, Vila Nova de Gaia e São João da Madeira, com o seguinte gráfico a demonstrar exatamente isso.

Segundo o Banco de Portugal, em 2022 existiam 1 869 empresas no setor do calçado em Portugal, sendo 56,5% microempresas, 31,84% e 11,18% pequenas e médias empresas respetivamente e apenas 0,48% das empresas do setor são consideradas grandes empresas. Relativamente ao número de pessoas que este setor emprega, este diminuiu em 1 738 pessoas comparativamente ao ano anterior, devido a existirem menos 113 empresas a laborar nesta indústria.
Quanto ao volume de negócio, este atingiu em 2022 números históricos 2 177 milhões de euros, um aumento de 298 milhões de euros comparativamente ao ano anterior. Esta subida do volume de negócios do setor, pode ser justificada pela guerra existente entre a Rússia e a Ucrânia que levou a um aumento do preço da energia na zona euro e de algumas matérias-primas, que juntamente com os elevados níveis de inflação presentes na economia mundial, levaram a que os custos de produção aumentassem e como consequência a empresas tentam repercutir esse custo para o consumidor final suportar, inflacionando o preço do produto final.

Novas Tendências na Indústria
Atualmente com uma sociedade focada e comprometida com a sustentabilidade e bem-estar do meio ambiente, a procura dos consumidores por calçado sustentável tornou-se um dos principais motivos a partir do qual as empresas portuguesas começaram a ter em atenção ao seu processo produtivo (desde aquisição de matérias-primas, até a produto final) de modo a poder tornar o mesmo mais sustentável e diminuir assim desperdícios e resíduos possíveis, levando a que os seus produtos sejam mais “verdes” e haja um aumento de eficiência no processo produtivo, reduzindo assim os custos de produção e otimizando recursos.
Segundo dados de 2019 o mercado do calçado sustentável mundialmente estava avaliado em aproximadamente 7,5 mil milhões de dólares, tendo este número disparado para um valor de mercado de 9,4 mil milhões de dólares em 2022.
Um estudo de mercado realizado pela Marketresearch.biz prevê que no ano de 2032 o mercado mundial do calçado sustentável atinga os 14,7 mil milhões de dólares, crescendo a uma CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 4,7% de 2023 até 2032.

Assim sendo, a indústria portuguesa de calçado, estudou o mercado mundial e já definiu a sua estratégia para a próxima década. De acordo com declarações da associação do setor (APICCAPS), “apenas 9% da população mundial tem especial apetência por comprar sapatos produzidos em Portugal, o que significa que estão em causa 700 milhões de pessoas” e sendo que o setor vende atualmente 80 milhões de pares anualmente, ainda existe grande margem de crescimento na indústria.
Para conseguir tal crescimento de mercado, a indústria prevê investir 600 milhões de euros até 2030, sendo que 140 milhões já têm luz verde do Plano de Recuperação e Resiliência.
Dos 140 milhões já aprovados, este divide-se em 2 projetos que envolvem mais de 100 entidades:
O FAIST (Fábrica Ágil, Inteligente, Sustentável e Tecnológica), com um investimento estipulado de 60 milhões de euros. que já está a ser implementado e conta com um investimento até ao momento de 50 milhões de euros, tendo como principal objetivo melhorar a capacidade de resposta das empresas há procura existente do mercado por calçado português, dotando as mesmas de novos equipamentos tecnológicos e implementação de processos inovadores, aumentando a eficiência e eficácia do processo produtivo e permitindo as empresas portuguesas alargar a gama de produtos oferecidos aos clientes
O segundo projeto BioShoes4All, apresentou uma candidatura com um investimento de cerca de 75,3 milhões de euros e tem como ambição, através do desenvolvimento e produção de novos biomateriais, tecnologias avançadas de produção e investimento em I&D, tornar Portugal como a referência a nível mundial no desenvolvimento de soluções sustentáveis e inovação no segmento do calçado de alta-qualidade.
A história da indústria do calçado em Portugal é sem dúvida uma prova do espírito empreendedor e da qualidade e capacidade de adaptação das nossas empresas as constantes mudanças do setor. O conhecimento adquirido ao longo dos anos, aliado à paixão pelo calçado, tem impulsionado o sucesso contínuo dessa indústria, que se mantém como um importante pilar da economia portuguesa, tendo boas perspetivas de crescimento futuro.
Fontes:
APICCAPS. (2023, Maio 05). Tudo o que precisa de saber sobre a indústria portuguesa de calçado. APICCAPS. https://www.apiccaps.pt/news/tudo-o-que-precisa-de-saber-sobre-a-industria-portuguesa-de-calcado/8791.html
BioShoes4all. (2022, Julho 01). BioShoes4all – Inovação e Capacitação da Fileira do Calçado para a Bioeconomia Sustentável | Projetos. Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP). https://www.ctcp.pt/projetos/bioshoes4all–inovacao-e-capacitacao-da-fileira-do-calcado-para-a-bioeconomia-sustentavel/151.html
BPstat. (2023, Outubro 10). Análise setorial da indústria do calçado | BPstat. BPstat. https://bpstat.bportugal.pt/conteudos/publicacoes/1293