Empresas familiares vs empresas não familiares
As empresas familiares assumem uma percentagem expressiva do PIB e da empregabilidade nas economias desenvolvidas, sendo a sua continuidade e transição para uma nova geração, um desafio crucial.
Estes tipos de entidades representam cerca de 60% de todas as empresas de origem na união europeia, sendo que estão presentes em diversos tipos de setores e em entidades de várias dimensões. No entanto, apesar de não haver estatísticas muito concretas, a Associação de Empresas Familiares aponta para que, em Portugal, cerca de 70% das empresas pertencem a esta categoria de organizações. Paralelamente com este conceito de governance, a 1978, Tagiuri & Davis criaram o modelo de o modelo de 3 círculos que define os conceitos que compõem o sistema de empresa familiar: família, negócios e propriedade (European Commission, 2009).
Segundo Tagiuri & Davis, o sucesso a longo prazo dos sistemas de empresa familiar depende do funcionamento e do apoio mútuo de cada um dos grupos representado pelo modelo de 3 círculos do sistema de empresas familiar.
Não obstante, segundo Robalo (2014), é imprescindível reconhecer que este tipo de empresas tem uma estrutura bastante diferenciada assentando em 2 realidades: negócio/empresa e família/empresa. Dessa forma, é necessário que a estrutura destas empresas seja bastante coesa e sólida de forma a manter a harmonia e a melhorar o desempenho das mesmas, o que nem sempre se consegue de forma natural. Por vezes, é necessário criar um protocolo familiar, de forma a criar um núcleo familiar ativo, profissional e unido.
Existem algumas definições que ilustram este conceito, mas, uma vez que em Portugal 99% das empresas são Micro, Pequenas e Médias Empresas, acredita-se que para o presente artigo a melhor definição das empresas familiares foi definido pela European Commission (2009), uma vez que teve em conta a dimensão destas organizações na criação desta definição:
“uma empresa, qualquer que seja a sua dimensão, é uma Empresa Familiar, se:
- A maioria dos direitos de voto for detida pela(s)or pessoa(s) singular(es) que estabeleceu(eram) a empresa, pela(s) pessoa(s) singular(es) que tiver(erem) adquirido o capital social da empresa, ou na posse dos seus cônjuges, pais, filhos ou herdeiros diretos dos filhos.
- A maioria dos direitos de voto pode ser direta ou indireta.
- Pelo menos um representante da família ou parente consanguíneo estiver envolvido na gestão ou administração da empresa.
- As sociedades cotadas incluem-se na definição de Empresa Familiar se a pessoa que estabeleceu ou adquiriu a empresa (capital social) ou as famílias desta, ou seus descendentes, possuem 25% dos direitos de voto correspondentes ao respetivo capital social.”
Ainda tendo em conta as definições dadas pela European Commission (2009), esta caracteriza os desafios enfrentados por esta categoria de governance em 3 vertentes:
- Ambiental, uma vez que existem pessoas a formular políticas de governação deste tipo de empresas sem ter conhecimentos das suas especificidades, bem como das suas questões financeiras (por exemplo os impostos exigidos sobre as heranças);
- Comportamento interno, sendo que várias pessoas ocupam cargos sem terem conhecimentos das suas responsabilidades nem da importância da gestão do negócio e a necessidade constante de equilíbrio entre família, negócio e propriedade, que nem sempre é fácil de gerir;
- Educação, pois existem vários cargos de elevada responsabilidade que estão a ser ocupados por pessoas sem escolaridade ou experiência suficiente para tal, mas que, se encontram lá por pertenceram ao seio familiar.
Em suma, as empresas familiares são aquelas em que uma família detém o controlo, tendo o poder de nomear a gestão e, além disso, alguns dos membros desse seio encontram-se a operar nessa entidade. Já no que respeita às empresas não familiares, estas mostram-se mais focadas nos fatores económicos, ao contrário das empresas familiares onde apresentam emoções na tomada de decisões na empresa (Carlock & Ward, 2010).
Consequentemente, as empresas não familiares funcionam como negócio puro onde não existe, teoricamente, sentimento pela empresa. Segundo Villalonga & Amit (2006), estas empresas detêm uma representatividade minoritária no tecido empresarial mundial. Não obstante, as entidades não familiares e as empresas familiares têm alguns objetivos comuns na sua operação empresarial, tais como a obtenção de lucro, expansão para novos mercados e satisfação dos clientes (Chrisman et al., 2013). O objetivo primordial de ambas é uma empresa sustentável e lucrativa, sendo que o que as difere são os veículos que estes tipos de empresas utilizam para atingir os seus objetivos.
Sucessão Familiar na empresa
A sucessão é um dos maiores desafios que as empresas familiares enfrentam. Não é um evento único, mas um processo de mudança complexo que precisa de ser gerido e planeado atempadamente. A sucessão é um momento único e crucial durante a vida de um negócio que, se realizada adequadamente, pode resultar em inovação e no reforço da sustentabilidade do negócio. Caso contrário, pode colocar em causa empregos e as relações construídas com as partes interessadas, como fornecedores e clientes.
No geral, os negócios familiares são vistos como um legado, isto é, algo que irá acompanhar uma família durante a sua história. Assim sendo, é comum ver que as famílias costumam estar muito envolvidas na empresa, podendo ver que estas tendem a possuir cargos administrativos mais elevados. No entanto, fazer a separação entre assuntos pessoais e assuntos familiares poderá ser difícil. Por norma, os empreendedores acabam por colocar pressão nos filhos no que concerne à continuidade do negócio, mas, por vezes, esta sucessão não é realizada entre herdeiros diretos ou dentro da família. A contratação de um CEO para assumir a posição máxima dentro da organização, ou mesmo a promoção de uma liderança que se destacou por sua forte lealdade ao negócio, são opções que também devem ser consideradas.
Não obstante, é necessário ter respostas a algumas questões antes sequer de perceber e entender um processo de sucessão familiar, sendo a título de exemplo:
- Se o empreendedor tem mais que um filho, qual deles deve assumir a sua posição?
- Quais serão os critérios para a seleção do sucessor?
- Quanto estarão os sucessores capacitados para fazer parte da organização?
- Os seus propósitos e valores estão alinhados com o que a empresa tem como objetivo e cultura?
- Como será a continuidade de quem já trabalha na organização com a mudança para uma nova geração de empreendedores?
Existem muitas outras questões que deverão ser tomadas em conta numa fase inicial deste processo, sendo que as suas respostas devem ser do conhecimento de todos, isto é, da família, sócios, líderes, colaboradores e organização como um todo, para que a sucessão ocorra com o menor número de conflitos possíveis, tanto pessoais, quanto profissionais, gerando somente impacto positivo para o negócio e todos os envolvidos.
Todo o processo de sucessão é dividido por etapas, por forma a que o planeamento do mesmo se encontre bem estruturado. Algumas das etapas essenciais neste processo são as seguintes:
1. Avaliar interesses, perfis, talentos e competências
Nem todos os herdeiros têm interesse no seu legado empresarial, ou têm preparação para assumir o cargo de CEO de uma organização. Mesmo assim, independente se a sucessão irá ocorrer com alguém da família ou com colaboradores dedicados ao negócio, é extremamente importante avaliar todo o perfil comportamental dos possíveis futuros gestores. Assim, é necessário conhecer os seus propósitos a nível individual e como estes os conciliam com o negócio e o seu objetivo e valores, por forma a entender como este conciliará as duas vertentes para que se alcance uma posição de liderança, afastando eventuais conflitos.
Nesta etapa, os fundadores e os possíveis sucessores devem passar por um profundo processo de autoconhecimento, compreendendo mais sobre si, sobre os seus desejos, objetivos, visão de futuro e propósitos, para posteriormente alinhar a perceção individual de cada um sobre a situação atual e o desejo futuro para o negócio.
2. Estruturando o processo de sucessão
Neste processo de saída do empreendedor e entrada do sucessor, é importante ter em conta alguns aspetos, assim, é de realçar a necessidade de se responder a algumas perguntas, nomeadamente:
- Qual será o papel do fundador a partir desta mudança?
- Será estruturado um conselho administrativo?
- Quanto tempo o processo deve levar?
- Como será o processo de implementação para gerar o menor impacto possível para o negócio?
- Como cuidar das pessoas durante este processo?
- Qual passa a ser o papel do fundador e dos sócios?
- Qual o impacto que causará nos colaboradores?
- Como será a nova estrutura de gestão com a mudança da liderança?
- Será um CEO com controlo total, ou será implementado um conselho decisor que envolve todos do alto escalão executivo?
Aqui estão descritas apenas algumas das perguntas que deverão ser respondidas durante o processo de sucessão. A sua resposta facilitará a entrada do sucessor de modo a entender quais as decisões a tomar para o futuro.
3. Participação do empreendedor durante todo o processo
É essencial que o empreendedor participe durante o processo de sucessão e tenha no planeamento como será realizada a sucessão. Deste modo, é possível que o novo gestor da empresa absorva toda a informação necessária no que concerne à cultura, conhecimento e experiência. Não obstante, é crucial que o sucessor esteja dentro da história da empresa, dos seus valores, do seu funcionamento e do seu mercado.
É importante, também, fazer um cronograma, por forma a obter um prazo médio para cada etapa da sucessão. Após estas etapas, espera-se que haja uma troca de experiências entre o empreendedor e o sucessor de forma que este último partilhe as suas novas ideias e inovação.
4. Capacitação do sucessor
Normalmente os herdeiros do empreendedor são encaminhados para o mundo empresarial, mas, na verdade, são necessárias várias capacitações para este tipo de processos. Desde cursos sobre gestão de projetos ou pessoas, especializações como MBA ou pós-graduação, vivências específicas, ou até cursos mais técnicos em relação ao que o negócio entrega.
Transições fracassadas
Miller et al. (2003) destacam razões para que as sucessões fracassem, nomeadamente a falta de clareza nos planos de sucessão e a incompetência ou impreparação do sucessor.
É, assim, crucial que a base da governança familiar seja suficientemente sólida para fazer face a conflitos futuros, uma vez que o negócio poderá ser assolado de conflitos e tensões. Deste modo, é necessário que haja uma estimulação da comunicação, confiança e transparência.
Vários autores e consultores referem que a principal razão para a falha no processo de sucessão, da primeira para a segunda geração, é incapacidade de gerir o processo complexo e altamente emocional da propriedade e gestão da sucessão para a geração seguinte. Por outro lado, o êxito do fundador poderia acrescentar tensões adicionais no processo de sucessão para os filhos, onde as mulheres podem vivenciar comparações mais duras que os homens. Noutra perspetiva, a transferência entre as duas gerações influencia negativamente a taxa de endividamento da empresa, comprometendo o seu crescimento devido à menor disponibilidade para assumir riscos e a conservar a riqueza herdada. As entidades familiares têm uma forte preferência em preservar riqueza em vez de gerar riqueza.
Conclusão
Por muito difícil que seja, é crucial olhar de maneira realista e imparcial para os possíveis herdeiros e sucessores, avaliando quais são os seus pontos fortes e fracos, projetando o futuro de cada um e lidando com situações que envolvem toda a complexidade da gestão de um negócio, assim como das relações familiares.
Segundo um estudo realizado por Nave et al. a vantagem competitiva deste tipo de entidades passa pela implementação de práticas regulares de governança familiar, sobretudo pela proximidade e confiança entre o fundador e sucessor.
Fontes:
- https://www.institutomudita.com/blogmudi/sucessao-familiar-como-fazer-a-transicao
- https://www.pwc.pt/pt/publicacoes/imagens/2014/pwc-familybusiness2014.pdf
- Carlock, R., & Ward, J. (2010). When family businesses are best.
- Chrisman, J., Sharma, P., Steier, L., & Chua, J. (2013). The influence of family goals, governance, and resources on firm outcomes.
- Villalonga, Belen, & Amit, R. (2006). How do family ownership, control and management affect firm value? pp. 385–417
- https://empresasfamiliares.pt/
- https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/be_mar2021_p.pdf
- https://www.ctcp.pt/noticias/processo-de-sucessao-em-empresas-familiares-um-desafio-para-as-pme/4931.html
- https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10948/1/EF_vers%C3%A3o%20CIEM%20%28PT%29.pdf
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